quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Barca do silêncio.


(Este é um texto de horas nocturnas, de horas passadas e de horas actuais. Publico-o sem autorização do autor, mas estou certo que ele gostará de as ver aqui, neste mundo virtual, tão distante e tão próximo dos nossos anos comuns de infância e de juventude. C. Pinheiro)

Numa destas noites de Inverno, passei pela Estação da BARCA DA AMIEIRA para ajudar alguém a apanhar o comboio; Sem nenhuma surpresa, senti o silêncio a que foi obrigada a estar, aquela que foi uma das principais vias, por onde passou muita da riqueza produzida na nossa região. São outros tempos e a economia assim o obriga.
Vieram à ideia tantas recordações, algumas delas vividas, outras que ouvi dizer por quem lá passou antes de mim. Recordo as minhas, em primeiro lugar, porque foram elas as que fizeram sentir a nostalgia, naquela noite.
As viagens de infância, e não só, também as do Serviço Militar, sempre com o acompanhamento daqueles farnéis e volumes que agoniavam qualquer terrestre. Eram alcofas cheias de tudo o que a Terra dava para quem lá na cidade vivia. Aquela Estação era, como hoje, uma das nossas aldeias da Freguesia em termos de vida: tinha "tabernas" , casas de comércio, armazéns e pessoas que lá habitavam por lá trabalharem. E porque não recordar todos aqueles sons daquela ajudante a acertar as agulhas, e depois toda a azáfama de entrar para o comboio, com pessoas a despedirem-se, e o chefe com a bandeirola na mão e o apito inconfundível na boca a dar sinal de partida. Olhava-se com tristeza a partida do comboio, pois, dentro dele, iam os "nossos"; depois, mais umas despedidas ao pessoal da Estação que por alí ficava, à espera do próximo.
Por ali passou a actividade económica da nossa Freguesia. Os despachos de mercadoria das Indústrias de Carnes, de Azeites e azeitonas, de Adubos, não só da nossa freguesia como das limítrofes, Carvoeiro e S. Pedro do Esteval. Lembrar que foi ali, o ponto de passagem para a "escravatura" da "ceifa", das azeitonadas, enfim, de tantos trabalhos passados no Alentejo. Era depois o ponto do regresso assinalado com as "contas" na COMISSÃO do outro lado do Tejo, porque era ali que elas se faziam, era dali que se regressava a casa com os parcos dinheiros ganhos nas margens do restolho.
História de uma Barca que deu o nome ao local e hoje repousa numa das margens do rio Tejo, como que adormecida ou morta pela nova tecnologia; Sim, porque dizer agora a muita gente, que por cima daquela Barca passaram toneladas de mercadoria em dias de Inverno, com o Tejo de meter medo a qualquer mortal, com um barqueiro a puxar por um cabo de aço e a empurrar com uma vara, será ter, com certeza, de mentiroso ser chamado. Tão poucas serão as histórias de burros que nela não queriam entrar ou teriam caído ao rio, e tantas outras que não ouvi, mas tenho certeza da sua existência. Posso afirmar que nela passei e dela tive medo ao chegar ao meio do Tejo. Como eu, tantos outros ou vós que estais a ler estas palavras, terão uma história para contar daquele sítio que hoje virou ao turismo, talvez pelo silêncio que usufrui ou pelo encanto que nele encontra, os sons que dele brotam são hoje diferentes. O comboio já não faz "POUCA TERRA", nem se ouve a máquina a gasóleo. É hoje silencioso e eléctrico. A “torquês” não fura o bilhete porque já lá não está aquela janelinha, nem alguém para o picar. As agulhas também não se mudam e soa uma voz bonita, mas oculta, a anuniar o comboio. Depois de partir, já não temos o Américo nem a Maria Aurora, nem o chefe e a família, nem a taberna, para nos despedirmos até à próxima.
Os sons que agora se ouvem, são os do campo, os chocalhos das vacas do outro lado ou o da "cigarra", no Verão.
BARCA DA AMIEIRA, amada por muitos e por outros tantos, odiada na dureza das recordações, será o espelho daquilo que está a acontecer às nossas aldeias? - O SILÊNCIO.

A. Pinheiro

in "Voz da Minha Terra", 25 Fevereiro 2008

1 comentário:

ZE PEDRO disse...

Parabens pelo blog, está espectacular, da uma vista de olhos no blosg do Jana

http://abranteimas.blogspot.com/