sexta-feira, 27 de março de 2009

Tarefas


Aí está uma das noras de que se fala neste texto. Coberta de mato e de balsas. Qualquer dia, para explicarmos aos nossos filhos o que era uma nora, teremos que ir a algum parque temático de hipermercado... ou nem isso.

TAREFAS

Por: Agostinho Pinheiro


in Voz da Minha Terra, 25/03/09


Talvez por trabalhar onde se passa o dia a recordar passagens da vida, o meu pensamento para aí se vire com mais facilidade e as histórias contadas pelos mais velhos me façam andar para trás no tempo e às vezes parecer que estou ainda nos princípios das minhas lembranças. Hoje veio à lembrança uma das primeiras tarefas que uma criança realizava no meu tempo; como as famílias eram, por norma, numerosas, havia tarefas para todos, porque todos comiam, e às vezes era o tal pão que não deitava migalhas: uns guardavam gado, outros lavravam com parelhas de burros os alqueves que davam centeio ou trigo, mas uma das que realizei com mais frequência era engraçada, mas naquela altura a graça era pouca: tocar os burros que andavam na nora. Já não bastava o tormento a que eram submetidos, presos, de olhos tapados, sempre à roda e cheios de moscas, se eles falassem, que diriam dos donos. Como se não bastasse, ainda tinham um guardião para os obrigar a andar sem parar, porque mais à frente estava alguém a regar o milho que era abundante na ribeira de Vale da Mua e, se faltasse a água no regato, era uma chatice.
Aquele engenho, inventado sabe-se lá por quem, a certa hora do dia formava uma orquestra naquela ribeira, com aquele estalido que dava. Cada nora tocava de maneira diferente e, num espaço de 500 metros, havia uma dúzia de noras, por isso a gritaria também se ouvia em grande quantidade, porque os motores resolviam descansar por cansaço. Lembro-me de o meu pai falar do tempo das picotas, ou motores de garrancho, como lhes chamaram posteriormente, esses sim, de verdadeiro martírio para os humanos, que às vezes os obrigavam a praguejar, por irem parar ao fundo da ribeira ou do poço e nada custava desejar coisas do outro mundo a quem inventou tal algaramenço. Depois destas invenções, vieram os motores a petróleo, que acabaram com todas as invenções anteriores, mas que também davam cabo da cabeça às pessoas; ou era a mecânica, ou era o chupador que se esvaziava e o motor não puxava água.
Tudo isto no tempo em que não se falava de economia real nem global, havia sim a economia individual; cada família tina a sua maneira de economizar ou de ganhar o pão de cada dia e esta contribuía, naturalmente, para a nacional. Nesses tempos comprava-se só o necessário para viver, não havia créditos para tudo e para nada, vivia-se a realidade da pobreza, mas era uma pobreza sincera, não como a riqueza de agora que é mentirosa, tudo não passa de puro faz-de-conta.
As tarefas então realizadas pelos mais novos são agora consideradas abusos, e o mundo chegou a este ponto de se querer a perfeição e chegar ao desastre, de todos estarmos insatisfeitos por tudo e por nada, até de termos mimo a mais.
A tarefa de cada um dependerá de si mesmo, mas, sem tarefas, o mundo acabará triste, e quem terá a tarefa de o melhorar?

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